Luzes e Tecnologia
NOESIS NOS MEDIA
24 março 2022

Ter um e-Commerce não é “apenas” abrir uma loja online


Entrevista a Ricardo Rocha, Marketing & Communications Director na Noesis

No ano passado, o comércio electrónico cresceu 15% em Portugal. Mas será suficiente para colocar o País lado a lado com outros mercados onde comprar online é tão comum como comprar numa loja com paredes e tecto? De acordo com Ricardo Rocha, a resposta é não, uma vez que, embora se trate de um «crescimento muito significativo», está, ainda assim, «abaixo da taxa média de crescimento a nível mundial, que foi de 29%». 
 
Em entrevista à Marketeer, conta que ainda há, por isso, espaço para o e-Commerce crescer em Portugal. Mas alerta: «ter um e-Commerce não é “apenas” abrir uma loja online.» Um dos principais cuidados a ter passa por apostar numa visão integrada do canal, prestando sempre atenção às principais tendências. 
 
E as empresas que não apostaram no e-Commerce até agora ainda vão a tempo? «Sim, claramente.» Ricardo Rocha não tem dúvidas de que o futuro é digital e de que a transformação dos negócios é uma realidade. Por isso mesmo, a possibilidade de comprar e vender online ganhará cada vez maior relevância. 
 
Que espaço é que o e-Commerce ainda tem para crescer em Portugal? 
 
Nos últimos anos, e em especial neste período pandémico que atravessámos, temos assistido a um aumento significativo do e-Commerce em Portugal. Já todos falámos, escrevemos e lemos sobre isso. Sobre o impacto deste contexto nos hábitos de consumo, no comportamento do consumidor, na forma como os consumidores se relacionam com as marcas, entre tantos outros. 
 
O facto é que já são conhecidos alguns estudos que vêm confirmar esta percepção. De acordo com o Statista Digital Market Outlook, por exemplo, registou-se em Portugal um aumento de 15% no e-Commerce em 2021. Um crescimento muito significativo, mas que, ainda assim, está abaixo da taxa média de crescimento a nível mundial, que foi de 29%. A tendência é que as receitas oriundas no negócio online continuem a crescer nos próximos anos. Nesse mesmo estudo, estima-se um CAGR de 5% para o período 2021-2025, em Portugal. Outro indicador interessante é o nível de penetração do e-Commerce em Portugal que aponta para os 47%. Significa isto que praticamente metade da população portuguesa terá realizado, pelo menos, uma compra online no ano passado. Estes são indicadores muito positivos e que nos dão uma perspeptiva muito optimista para os próximos anos, de crescimento e consolidação do canal digital. 
 
Que aspectos é que as empresas não devem descurar quando fazem o salto para o comércio online? 
 
O e-Commerce deve ser encarado como um canal adicional de interacção de uma marca com os seus clientes e deve ser, portanto, enquadrado numa visão integrada e numa estratégia omnichannel. Ter um e-Commerce não é “apenas” abrir uma loja online. É necessário olhar para todo o processo de negócio de uma forma transversal e enquadrá-lo nesse mesmo processo. 
 
No fundo, considerar os temas do supply chain, ter em conta os sistemas de gestão de loja e de operações, garantir uma analítica integrada, para além de todos os temas relacionados com o serviço ao cliente, com a customer experience e, até, com a employeer experience. Esta visão integrada, a que a IDC apelida de “Retail Commerce Platform”, é o caminho para que o canal de e-Commerce possa ser bem-sucedido. 
 
Segundo a mesma IDC, no Global Retail Core Business Survey (2021), 44% dos retalhistas inquiridos aponta a necessidade de aumentar a rentabilidade no canal e-Commerce como o seu principal objectivo para os próximos dois anos. Sem essa visão integrada, de todas estas variáveis, esse objectivo não é passível de ser atingido. 
 
Para as empresas que ainda não conseguiram fazer a transição do negócio, quais são os primeiros passos a dar? 
 
Devem, sobretudo, assegurar uma visão integrada, onde o e-Commerce é apenas mais uma “peça” na estratégia. Existem, hoje, várias tendências e desafios a que é necessário estar atento e ter em conta na adopção do e-Commerce (e com repercussões nos canais “tradicionais”): 
 
  • A difusão de canais e a alteração dos hábitos de consumo. Nos dias de hoje, o comprador já não está limitado a uma interacção com a marca em apenas um canal. A experiência é multicanal e as combinações são inúmeras – o consumidor que pesquisa online e compra em loja física; o que compra online e faz picking na loja; o que encomenda na loja e recebe em casa; para além de outras possibilidades como a utilização de plataformas third-party, como os marketplaces, por exemplo. Desta forma, é necessário que os marketers trabalhem e considerem todas estas “combinações” na definição da jornada do cliente e é necessário assegurar uma experiência consistente entre todos os canais. 
  • Customização e personalização. O canal digital permite uma muito maior flexibilidade na forma como uma marca promove e apresenta os seus produtos. Hoje, é possível adoptar uma estratégia de segmentação muito mais granular, apostando em abordagens de “nicho” e numa comunicação e oferta altamente customizada e personalizada para o seu cliente. 
  • Consistência no conteúdo. Um conteúdo pobre sobre um determinado produto, com falhas, inconsistência ou ausência de informação, gera taxas de conversão inferiores. Desenvolver conteúdo de qualidade é um ponto-chave para o posicionamento de um produto no mercado e ganha uma especial relevância no canal digital e no e-Commerce. 
  • Experiência do cliente. É um “chavão” já muito utilizado no mundo do marketing, mas a verdade é que é especialmente relevante na hora de adoptar o e-Commerce. É fundamental garantir uma experiência irrepreensível em todo o processo. Da navegação (onde o mobile assume cada vez maior preponderância) ao processo de compra, a facilidade de pesquisa de produtos, os métodos de pagamento, a cadeia de distribuição, o serviço ao cliente, a gestão de reclamações e devoluções, o conhecimento do cliente, a integração entre canal digital e a experiência em loja, a adequação da oferta ao cliente, a promoção e comunicação, a fidelização, em suma, toda a jornada de compra. Um dos erros mais comuns, quando falamos de e-Commerce está relacionado com a abordagem em “silos”, em que o canal e-Commerce é independente do canal físico, os sistemas não comunicam, os dados de consumo e do cliente não são partilhados, o processo logístico não é integrado… Essa abordagem é meio caminho para o desastre. 
  • Modelos contextuais em real-time. Os dados e a analítica são cada vez mais relevantes e há que saber tirar partido deles. A capacidade de captação e tratamento de dados transaccionais, e de dados históricos da organização, a integração de dados contextuais de diferentes fontes externas (third-party data) e ainda a utilização de dados de consumo em tempo real, quer em loja, quer online, permite criar uma visão e um modelo contextual, em tempo real, e analisar de forma mais eficiente o comportamento do consumidor. Novos conceitos como segmentação dinâmica, personalização de conteúdo, dynamic personas, forecasting, entre outros, tornam-se então possíveis, com elevados benefícios para as marcas. Ser capaz de tirar partido de toda esta informação, em tempo real, será fundamental para melhorar a “jornada de compra”, aumentar receitas e melhorar rentabilidade. 
 
As empresas que até agora não apostaram no e-Commerce ainda têm tempo? 
 
Sim claro. O futuro é digital, a transformação digital dos negócios é uma realidade e o canal e-Commerce estará cada vez mais presente e cada vez mais relevante na vida do consumidor. 
 
Mais do que vender, o ecossistema digital também pode ajudar as empresas a criarem uma relação com o público. Como? 
 
Sem dúvida, actualmente os temas da reputação de marca são fundamentais e ainda mais pertinentes no meio digital. Vivemos numa era em que tudo (e todos) está conectado e em contacto. As inúmeras plataformas, aplicações, redes sociais, são canais de interacção entre a marca e os seus consumidores/seguidores e são também plataformas onde os clientes podem endereçar os seus problemas, dificuldades, dúvidas ou reclamações. 
 
Nesse sentido, é necessário ter uma versão holística sobre o customer service ou o customer engagement. No fundo, integrar todos estes canais na tal visão transversal da experiência do cliente. Um comentário numa rede social tem que ser tratado da mesma forma que uma reclamação “formal”, por exemplo. 
 
Por outro lado, o digital é o canal privilegiado para reforçar a reputação, trabalhar a referenciação, partilhar informação relevante sobre o produto, marca ou serviço e recorrer a estratégias de influence marketing. 
 
Que novas tecnologias serão tendência nesta área? E de que forma? 
 
A visão integrada do Retail Commerce Platform é claramente a grande tendência e o grande desafio conceptual, estratégico e também tecnológico. Assegurada essa visão e plataforma, há um conjunto de tecnologias que serão muito relevantes no futuro, nomeadamente, a introdução da Inteligência Artificial, capitalizada pelo papel crescente do Big Data, que é uma mais-valia, quer na interacção com o consumidor – em mecanismos de pesquisa, personalização de conteúdo, chatbots – quer na própria gestão do negócio, utilizando capacidades preditivas e de forecasting, por exemplo. 
 
Publicado em Marketeer