A consultora tecnológica Noesis avisa que a banca tradicional demorou a responder às fintech no processo tecnológico da gestão de contas bancárias e de pagamentos de forma eletrónica. “Continua ainda com um atraso considerável, se compararmos o que existe de oferta da banca tradicional na forma como interage com o seu cliente final. Existem muitas iniciativas de modernização às novas exigências e ao que as fintech têm de disruptivo e de valor acrescentado em termos de experiência do cliente final”, indica, em entrevista à “Vida Económica”, Rodolfo Luís Pereira, Enterprise Solutions Director da Noesis.
Vida Económica – A pandemia veio potenciar a digitalização do setor e o uso da tecnologia por parte dos clientes?
Rodolfo Luís Pereira – Sim, claramente e seguramente o setor não poderá voltar atrás, quer pela exigência legal, a urgência das medidas, a necessidade face ao ambiente restritivo, quer pela apetência natural que os clientes têm, tivemos a tempestade perfeita para temas que discutimos faz anos neste setor, que timidamente ou arrojadamente apenas alguns o fizeram, tornaram-se comodidades normais. De notar que, muitos clientes já o tinham adotado em muitas outras áreas, o setor da banca teve de dar o salto de modernização dos seus canais tradicionais muito apoiado em décadas pela relação física, para em poucos meses, desmaterializar, digitalizar, inovar.
VE – A questão da segurança das transações já não é um receio por parte dos consumidores?
RLP – Não julgo de todo. Julgo estarmos a assistir a uma maior necessidade dos canais digitais e, consequentemente, à sua inevitabilidade de uso, não esquecendo nunca os perigos que a rodeia. Será sempre importante garantir a mensagem de conforto e os mecanismos de confiança e segurança no uso destes meios. De facto, porventura por maior escrutínio e necessidade, as mesmas serão alvo de maiores cuidados e investimento crescente.
VE – A banca tradicional demorou a responder às fintech no processo tecnológico?
RLP – Sim, e continua ainda com um atraso considerável, se compararmos o que existe de oferta da banca tradicional na forma como interage com o seu cliente final. Existem muitas iniciativas de modernização às novas exigências e ao que as fintech têm de disruptivo e de valor acrescentado em termos de experiência do cliente final. A mobilidade de serviços e atendimento têm sido os pilares de maior enfoque, mas a retenção e a experiência são ainda áreas com muito trabalho por fazer.
VE – Em Portugal esse processo foi ainda mais demorado?
RLP – O ecossistema de Portugal tem particularidades muito interessantes que, se por um lado são potenciadoras de possíveis saltos tecnológicos consideráveis, por outro lado, a inércia do consenso traduz-se no passar do tempo e oportunidade. Além disso, os fatores económicos e os diversos escândalos e falências dos últimos anos, trazem amargo de boca e suspeição dos consumidores finais, colocando ainda mais inércia nos movimentos de inovação, quer pelo regulador, quer pela banca, quer pelos consumidores que tornam a adoção complexa e morosa.
VE – Os preços das operações online, num país em que o nível médio de vida é relativamente baixo, dificulta a adoção da realização digital das operações bancárias?
RLP – De facto, parece ser um inibidor de adoção, quando as soluções apresentadas não se traduzem num valor acrescentado disruptivo ou aliciante em relação às fintechs onde não são cobradas ou são cobradas a um valor inferior e apresentam uma melhor experiência de utilizador. Além disso, existe sempre a perceção material e sentido de posse e confiança, onde culturas com menores recursos financeiros, também não são tão propensas à adoção destas operações por incapacidade financeira de as suportar.
VE – Por outro lado, as fintech têm estruturas mais leves e partem do zero, pelo que têm a missão facilitada face à banca tradicional?
RLP – Sim, na vertente de custos de operação e na agilidade da aquisição de novos clientes, mas em justaposição padecem do efeito de desconfiança do uso e adoção do método versus o da banca tradicional com ainda maior capital de confiança. Mas, sabemos que modas e novidades ou eventos anómalos desequilibram a balança entre o risco e confiança, ou custo e experiência.
VE – As compras online estão a crescer em número de operações, mas também no tipo de bens adquiridos, havendo até projetos de compra online de bens de maior valor como automóveis. O caminho é esse?
RLP – Todos os mercados referidos, já são realidades nos últimos 10 anos no mercado, apenas não tão democratizados, ou adotados por muitas das marcas oficialmente. O caminho é o da democratização dos canais de acesso pelos consumidores potenciando o imediatismo e experiência do utilizador final onde, já no próximo ano, a experiência e a forma como as marcas interagem com os seus clientes suplantará de sobeja a importância do portfólio e do seu custo ou valor de venda. O que a Pandemia também trouxe, foi a necessidade da urgência e adaptação ao uso de outro canais fora do ciclo tradicional desses mercados, por vicissitudes de restrição social ou outra, inibindo o contacto próximo, mas nem por isso a inovação dos mercados para os alcançar, seja de forma competitiva ou cooperativa como assistimos.
VE – Por outro lado, com a digitalização e os processos à distância, corremos o risco de esquecer as pessoas?
RLP – Os tempos de Pandemia que atravessamos trouxeram novos desafios para todos, novas formas de trabalhar e colaborar, mas também novos processos, novos fluxos de decisão, novas formas de abordagem ao mercado, novas formas de vender e novas formas de se relacionar com clientes portanto, diria que seguramente não, muito pelo contrário, alicerçamos a mais valia dos recursos humanos, para as questões de valor acrescentado dos processos organizacionais, bem como, o enfoque na experiência centrada no cliente, funcionário ou utilizador, passam ao papel principal de todos na busca de inovar e crescer com novas realidades onde vemos grandes tendências que suportam e alavancam esta visão, nomeadamente o foco em “customer experience” e comércio eletrónico, na digitalização e automatização de processos, assistentes virtuais personalizados, plataformas de colaboração e produtividade.
*Artigo publicado em Vida Económica.